Esse é um dos textos que eu gostaria de ter escrito em minha vida. Por isso o reproduzo aqui, é exatamente disso que se trata.
O Futebol dos Gerentes – por: Leandro Begoci (via: VIP)
O Maracanã morreu. O Mineirão também. O Palestra Itália já não está mais entre nós. Até o imortal Olímpico nos deixou numa tarde ensolarada de domingo. Aliás, para falar a verdade, eu mesmo não estou me sentindo muito bem… Os últimos meses têm levantado um cheiro suave de coroa de flores e, sabe como é, sou altamente influenciado por esse clima de velório. Quando morre uma parte do futebol, uma parte (grande) de mim também se vai.
Alguns desses estádios vão ser inaugurados com os mesmos nomes, é verdade. Outros vão se chamar arena mais o nome do time ou do antigo estádio. Provavelmente vão ser inaugurados por CEOs (o novo nome do velho cartola) que vão fazer de tudo para convencer os stakeholders (acostume-se: esse será o novo nome do velho torcedor) de que, afinal, o espírito do estádio foi apenas transposto para uma nova estrutura.
Mas, da mesma forma que você não ressuscita o seu avô quando coloca o nome dele no seu filho, manter o velho nome em um novo estádio é apenas uma homenagem. Bonita, é verdade. Bonita e inútil.
O que tem acontecido nos estádios, sob o pretexto da Copa do Mundo, é apenas a última parada de um caminho longo. O futebol, no Brasil, não é apenas um esporte. Já seria bastante, aliás, se fosse apenas um esporte imensamente popular. O futebol, nesta parte da América do Sul, é uma manifestação cultural poderosa, tão intensamente ligada à identidade do Brasil quanto a língua portuguesa. É pelo futebol que organizamos nosso tempo, nossas relações familiares e, em muitos casos, julgamos o caráter de outra pessoa.
É diferente dos Estados Unidos, por exemplo, onde os times se chamam franquias e mudam de cidade ou de cores como uma rede de lanchonete. Também é diferente do vôlei jogado no Brasil, onde os times têm nomes de empresas. Nos dois casos, a única ligação passional entre o time e o torcedor é o lugar onde os dois estão. O futebol transcende a localização. Um gremista, ao se mudar para o Recife, não passa a torcer para o Sport.
Isso acontece porque o futebol disseminou por toda a sociedade o estilo de vida dos trabalhadores das fábricas, que se espalhavam por amplas áreas das maiores cidades do país. Ir a um estádio de futebol, alguns anos atrás, era uma experiência semelhante a começar o dia em uma indústria. A comida na porta, as longas filas para entrar, a simplicidade do concreto armado, o desconforto das arquibancadas, o companheirismo de quem compartilha o mesmo destino difícil e suado.
À medida que o país mudou, o futebol também se transformou. Agora, quem vai aos estádios são as pessoas que trabalham em escritórios com ar condicionado, janelas amplas, em áreas próximas a shopping centers e usam palavras em inglês, mesmo com um belo similar em português – espero, aliás, que partida nunca seja chamada de “match” por aqui. Essas pessoas, filhas dos trabalhadores que frequentavam os estádios, agora querem que as arenas sejam mais parecidas com o mundo em que elas vivem. Com a Copa do Mundo, isso foi possível. É o fim do churrasquinho. É o começo do espaço gourmet.
Esse processo não aconteceu apenas no Brasil. A Inglaterra passou por isso na década anterior. A partir da experiência inglesa, é possível concluir que não são apenas os estádios que mudaram, mas a própria forma de amar o time. O torcedor que frequenta essas novas arenas dificilmente vai arrumar confusões violentas ou arremessar objetos no gramado. Esse novo torcedor quer conforto e segurança. Por outro lado, a relação dele com o time é muito mais de consumidor do que de amante. Ele fica decepcionado com o resultado como fica triste quando compra um carro novo que começa a dar defeito. Tem vontade de reclamar para o SAC do departamento de futebol. Ele não está preocupado apenas com quem fez o gol mais bonito ou qual time tem mais craques, mas quem tem o melhor departamento de marketing e quem lidera o ranking de venda de camisas. Talvez, no futuro, esteja disposto a gritar o nome do time mais o nome do patrocinador.
Não é uma questão de julgar, agora, se essas mudanças são boas ou ruins. O fato é que o futebol brasileiro morreu. E outro está começando a nascer em seu lugar. As arenas são apenas a forma em concreto e vidro que materializam essa mudança. Resta saber o quanto de paixão vai restar neste futebol dos naming rights.
Três pontos
Beatles e o Liverpool
Um dos momentos mais emocionantes do futebol inglês aconteceu em 1964, num Liverpool x Arsenal. O estádio, cheio muito além da capacidade, começou a cantar She Loves You, um dos maiores sucessos dos Beatles.
Heysel Stadium
Por outro lado, o Liverpool foi protagonista do desastre no Heysel Stadium, na Bélgica. Em 1985, na final da Champions League, contra a Juventus, 39 pessoas morreram e cerca de 600 ficaram feridas numa briga que traumatizou uma geração de torcedores.
Racismo
Os novos estádios ingleses são mais modernos, limpos e confortáveis. Sempre cheios, especialmente com pessoas das classes média e alta. Supostamente, mais educadas e tolerantes. Mas os casos de racismo na Premier League são comuns, ano após ano. A casa nova não acaba com todos os problemas, afinal.