Utopia versus distopia

27/10/2016

Publicando texto do amigo Palestrino Raphael Sanz.

Por Raphael Sanz

Finalmente chegou o grande dia em que vamos ser novamente campeões brasileiros. A última vez foi contra nosso maior rival e tínhamos na linha de ataque Edmundo, Evair e Rivaldo, três gênios já aposentados. Eu era uma criança feliz naquela época. Hoje temos uns tantos outros gênios tentando provar seu valor como os de ontem provaram. E estão conseguindo.

Chego à rua Turiaçu, esquina com a Caraibas, atrasado, e sou recebido pelos meus amigos. Parceiros de sofrimento em tempos de vacas magras que agora prometem uma festa e tanto. Bianchi teve um coma alcóolico no jogo de volta da semi-final, em casa, contra o Flamengo, que vencemos por 4×2 de virada após estarmos por duas vezes atrás do placar. Foi uma catarse coletiva, como todo bom jogo do Palmeiras é. Tudo bem que o empate era nosso, mas a vitória estonteante melhorou nossa semana. E muito. O grande Leandro Iamin está lá degustando um espetinho e me cumprimenta com um abraço fervoroso. Daqueles que o mundo poderia acabar ali mesmo, afinal seremos campeões. Ademir mal consegue conversar de tanta emoção. Gabriel Santoro já está em algum canto gravando seu vídeo e os irmãos Sciarra distribuem seu zine palmeirista por aí. O Tito, como sempre, se posta atrás do bar do Dissidenti que agora tem uma mesa de pebolin nos fundos, tornando-o o melhor bar do mundo. Leo AD e Del Vecchio discutem a escalação da grande final que se jogará dentre instantes nesse domingo de sol. Pedro e Drips chegam com um isopor cheio de cerveja e estão há dias sem dormir esperando o apito inicial. A derrota por 1 a 0 no Mineirão no jogo de ida não nos abalou nem um pouco.

O estádio é nosso, a rua é nossa, o bairro e a cidade são nossos. É verde por toda parte. Até a prefeitura zerou a tarifa do busão neste dia pra facilitar nossa ida a este momento grandioso. Não tem como a taça também não ser nossa. E não foi por acaso que perdi um dia de trabalho na terça-feira enquanto estava na fila da bilheteria para pagar 20 reais no meu ingresso. 20 mangos e 1 dia ganhos na minha vida. Depois compenso no banco de horas ou arrumo um atestado. Vai valer a pena.

Entrando pelo fosso da Turiaçu, ergue-se um jardim suspenso à nossa frente. Uma verdadeira maravilha da humanidade. A coisa mais linda em termos arquitetônicos que o futebol pôde proporcionar à humanidade. Após reforma que durou 3 anos, o gol das piscinas ganhou um grande paredão de arquibancada que aumentou nossa capacidade em 20 mil lugares sem que para isso precise ter medo da imensidão azul chamada céu, como as tais arenas que existem na longínqua Europa. O pessoal do prédio ali de trás hasteia sua bandeira alviverde enquanto os bandeirões, fogos, papeis picados e corações saltam de nossa arquibancada de cimento, recebendo e empurrando o time que vai mostrar que de fato é o campeão.

O gol do Atlético Mineiro aos 8 minutos não nos desanima e antes de acabar o primeiro tempo já viramos o jogo. A alegria se mistura aos bandeirões e rojões enquanto uma multidão do lado de fora comemora. Na segunda etapa, o terceiro gol era questão de tempo para matar o jogo. Nosso volante rouba a bola, abre para o lateral esquerdo que ensaia uma corrida pra linha de fundo mas recua para o meia armador que, num passe de mágica, ou melhor, num passe mágico, deixa nosso centro avante cara-a-cara com o goleiro do Galo e…

Acordo meio desnorteado na cama. É dia de Palmeiras e Sport pela 32a rodada do Brasileirão de pontos corridos. O Palmeiras tem grandes chances de ser campeão, mas sem uma semi-final épica, nem tampouco uma final eletrizante. Precisa ganhar mais 4 jogos, dos 7 que faltam. E pronto.

Pego o ônibus para a rua Palestra Itália. Chegando lá não encontro meus amigos, mas a polícia militar que bloqueou todas as entradas de todas as ruas ao redor do estádio: Palestra Itália, Caraibas, Diana e Kayowaa. Só entra quem tem ingresso. Eu tenho, mas estou sem o comprovante de compra. O policial “embaça na minha” e quando consigo convencê-lo que meu cartão de sócio torcedor é verdadeiro entro e me deparo com dois tanques de guerra da tropa de choque e um torcedor palmeirense, negro, sendo duramente “enquadrado” por policiais. Fizeram o rapaz tirar a camisa e disseram palavras de baixo calão para o mesmo ali mesmo, na frente do estádio inteiro.

Sem churrasco e sem cerveja, dou a volta no quarteirão para adentrar um estádio que tem medo do céu e da luz do sol. Que tem ojeriza a bandeiras, fogos, papel picado e vizinhos. Que tem nojo de gente e de festa. Os telões dividem a atenção com o campo de jogo. A grama está ruim, afinal, a luz do sol não atravessa a cobertura que colocaram ali e para piorar qualquer show destrói o gramado. A solução mágica dos tecnocratas é limar essa arcaica grama natural e por uma sintética no lugar. As arenas nos afastam da imensidão do que restou de natureza em São Paulo. Policiais e seguranças do clube filmam a torcida em busca do menor delito. Afinal, são trabalhadores e precisam bater metas.

Meus amigos estão divididos. Felizes pela vitória e pela iminência de comemorar um título nacional. E tristes, mesmo com o time brigando de fato pelo título, por tudo o que perdemos enquanto povo futeboleiro em meio a uma modernidade artificial e sem coração. Especialmente tristes por não poderem ver o jogo juntos. Alguns, com condições de bancar os ingressos de 100 reais em média foram autorizados pela PM a frequentar a rua que há 96 anos é do Palmeiras. Outros não.

Trocamos palavras, gestos e votos de vitória à distância. Como à distância se posta cada vez mais o futebol daqueles que o fizeram grande.

Retornando à velha casa…

27/07/2016

Como eu disse no último post, há algum tempo, era apenas um até breve. Então, retomando as atividades do blog, vamos iniciar com um post sobre torcida.

Não passarão!

Nos últimos tempos algumas torcidas organizadas resolveram se manifestar politicamente nas arquibancadas. Ressalte-se que algumas delas já o faziam no passado, mas do que falamos aqui é dos protestos recentes nos estádios e em manifestações de rua.

Falamos dos protestos das torcidas contra o roubo da verba da merenda em São Paulo – o acusado foi promotor antes de ser político e era perseguidor, um verdadeiro algoz das organizadas, inclusive propondo e levando a cabo o fechamento de algumas delas. Trata-se de críticas e protestos pela forma como o futebol brasileiro foi, e é, entregue e controlado pela Rede Globo – sim, a rede de televisão que paga pelo campeonato faz o que quer com transmissão, horário e dia de jogos. A última da Rede Globo é uma rodada de segunda-feira que mais se parece com um quadro do programa de debates do canal fechado da emissora. O jogo em si é um detalhe. Enfim, as torcidas resolveram se manifestar politicamente e cobrar as autoridades. Resolveram se manifestar por melhorias no futebol brasileiro e no Brasil.

Torcidas organizadas são compostas em sua maioria por gente pobre, de periferia, negros, trabalhadores, jovens. São jovens que se agrupam por identificação a um clube de futebol, mas que buscam ali o seu igual, o que lhes foi negado na sociedade, a saber, um espaço de pertencimento. Por esse grupo matam e morrem (figurado e literalmente).

Dessa forma, esses agrupamentos juvenis são – e deveriam assim ser enxergados e tratados – movimentos de caráter social, que acolhem esses jovens pobres e de periferia. Esses, inclusive, realizam diversas ações de cunho social, na periferia, para os seus iguais de classe (independente do time que torcem).

Cabe ressaltar que depois que as torcidas resolveram se manifestar contra o status quo, a reação do poder constituído foi imediata. Em São Paulo, a repressão a esses agrupamentos recrudesceu, e a Polícia Militar, historicamente violenta contra esses grupos, e em geral, sempre agindo de forma desproporcional, resolveu reprimir os torcedores antes, durante e após os jogos. Tudo sob o comando e os “olhos moucos” do Ministério público e do promotor Paulo Castilho.

O Ministério Público resolveu instituir, inclusive, os clássicos com torcida única, sob o argumento de que a violência diminuiria. Não se deram nem ao trabalho de olhar para a vizinha Argentina que tomou a mesma medida e não resolveu o problema. Paulo Castilho, em recente “debate” sobre o tema, de forma autoritária e sem apresentar dados e fatos para embasar sua avaliação, disse que a medida é um sucesso e que agora o próximo passo é livrar o entorno dos estádios (o entorno do Palestra Itália, segundo ele, é “terra de ninguém”) dos torcedores. Esses, os excluídos das Arenas da Copa, agora serão, segundo a vontade do promotor, expulsos também das ruas.

O que o Ministério Público, parte da imprensa e de significativa parcela da população não enxerga, é que movimentos sociais têm as suas demandas, sua forma da organização, de atuação, se organizam de forma legítima e, inclusive, tem a garantia constitucional para funcionar.

Respeitar suas reivindicações, entender o contexto social no qual estão inseridos, dialogar, negociar com esses grupos é a forma mais eficaz de enfrentar o problema da violência – claro que se houver realmente a vontade de resolver o problema e não apenas apelar para ações pirotécnicas visando dar uma resposta fácil para a sociedade.

São Paulo, infelizmente, resolveu optar pelo caminho mais fácil: a repressão policial. Aqui se combate violência com violência. A polícia, com o apoio do MP, despeja bombas, gás de pimenta, e “baixa o porrete” (e a repressão é ‘democrática’, pois daí apanham organizados e não organizados) em quem estiver em sua frente, para na semana seguinte inventar uma nova teoria. A do momento é a cobrança de “pedágio” de ambulantes por parte dos organizados. A mídia, é claro, encampa o discurso repressor e excludente. O ciclo recomeça, a repressão aumenta, e o diálogo segue inexistente.

A violência? Ela existe, é claro. Não se nega isso. Porém, ela está em nosso dia-a-dia, em nossa sociedade, e está – inclusive – na PM, que é organizada para reprimir a população pobre, de periferia, negros, trabalhadores, jovens, movimentos sociais e torcidas organizadas. Não é com violência que se combate violência. Está no hora de testarmos a fórmula do diálogo, de ouvir o que esses jovens têm a dizer.

De qualquer forma uma coisa precisa ficar clara: haverá resistência contra a repressão, a falta de diálogo e essa política higienista e excludente. Não passarão.

Casa nova

17/05/2013

Não é uma despedida, pois esse espaço não acaba, fica suspenso.

Desde agora parto, junto com muitos outros, para um projeto na tentativa de resgatar o Palmeiras da inércia.

Quem sabe volte a escrever aqui um dia, é muito provável. Porém, quem quiser me ler, e comigo debater o Palmeiras, o faça por outro endereço ===>  http://www.turiassu1840.com.br/. Lá será espaço plural, com muitos amigos Palestrinos.

Desde já agradeço a todos que aqui estiveram e me prestigiaram.

Palmeiras, minha vida é você!

 

Alô diretoria!

01/04/2013

Na linha de dar voz aos jovens Palestrinos eis mais um deles. Hoje é o Felipe Duchene manda seu recado à diretoria.

Diretoria,

Eu e todos os torcedores estamos cansado de ver o time como está, precisamos de novos jogadores com mais técnica e vontade!

A Sociedade Esportiva Palmeiras é um clube muito grande, com muita tradição, história, glórias e títulos para estar vivenciado a situação atual!

Nossa torcida, acostumada a festejar com títulos e grandes vitórias, atualmente está chorando com placares adversos como foi a goleada que sofremos do Mirassol e com partidas sofridas e ruins!

PRECISAMOS de jogadores que representam o Palmeiras dentro de campo, mostrando vontade, dedicação e que honrem a camisa com orgulho e com títulos!

Palavra das crianças I

28/03/2013

Mais um texto de um Palmeirense, esse também com treze anos, 13.  Agora o Guilherme Duchene dará o seu depoimento sobre esse momento.

O que dizer da derrota do Palmeiras para o Mirassol por 6×2?

Bom, não tenho nem palavras pra fala sobre a derrota do Palmeiras, mas vou tentar.

Com a grandeza que tem o Palmeiras, com mais de 15 milhões de torcedores, não pode tomar uma goleada assim, do jeito que foi, para o time que nem na serie B do brasileiro está.

Em 13 anos que estou vivo vi o Palmeiras ganhar um paulista e uma copa do Brasil, mais nada. O resto foi só zuacão de amigos bambis, gambá etc.

E as contratações? Ainda não vi nenhuma boa. E o que dizer da troca do Barcos por uns caras sem futuro nenhum no futebol?

E o que dizer do Paulo Nobre que enquanto o Palmeiras tava perdendo pro Mirassol estava em Londres tirando fotos com jogares?

Pra fala mal da torcida organizada ele fala no dia, na hora, mas na hora de falar do time ele não fala.

E o Valdívia que está a 100 jogos fora, o Paulo nada fala, enquanto o Palmeiras ta jogando ele se diz “machucado” e fica indo pras baladas e enchendo a cara.

Com sua grandeza o Palmeiras que estava acostumado a nos dar alegrias, nos últimos anos não está dando nenhuma QUEREMOS JOGADOR QUE HOERREM A CAMISA!!!

 

Resgatemos o Palmeiras, não para a gente, mas pelo menos para os meninos(as).

Palavra das crianças

28/03/2013

Eis o desabafo de uma criança, de um menino Palmeirense de treze (13) anos. Ou cuidamos do Palmeiras ou perderemos essas crianças:

Não sei o que acontece. Gente, perdemos de 6 X 2 do Mirassol, pelo amor de Deus, isso jamais deveria ocorrer na nossa história. Agora isso só vai ser mais um motivo de zoação para nós e vai ser uma mancha enorme na história do Palmeiras.

Realmente vocês devem tomar uma atitude. Tenho 13 anos e gostaria de ver um dia pelo menos um time como vocês viram de 92 a 99. Mas, hoje sei e tenho plena consciência de que vai demorar muitos e muitos anos para o Palmeiras voltar a vencer como era em 93, 94 e etc…

Tá ai o que eu penso.

Palmeiras o nosso sentimento nunca irá se acabar.

(Bruno Borghese)

Não preciso dizer mais nada.

O pesadelo do “ano que vem”!

18/03/2013
Por: Vinicius Borghese (@viniborghese)
Recuso-me a escrever qualquer coisa sobre o jogo, o time ou o treinador. Apenas lembrar que cobraram R$ 80 o ingresso para a torcida visitante em um dos piores estádios que existe e nossa Diretoria nada fez a respeito… segue o jogo…O que me motiva a escrever são 15 milhões de torcedores da SEP.

Somos poucos os envolvidos no clube politicamente ou que tem contatos para saber a REAL situação financeira do clube, os demais torcedores buscam informações na imprensa em geral. O que se lê é o mesmo conteúdo em palavras diferente:

A SEP NAO TEM DINHEIRO, vamos conter despesas, montar um time dentro das possibilidades e no ano seguinte… aliás este termo “ano seguinte” é o pesadelo de todo Palestrino. É a certeza de que mais um ano irá passar e nada vai acontecer.

Assistimos calado ás primeiras decisões da Diretoria, demissões, empréstimo de jogadores e a venda do ex-camisa 9. A venda do ex-9, seria um ótimo negocio desde que fosse concluído como o prometido, vai ele, vem cinco, caso o 5º não venha uma bela quantia em dinheiro e parte do passe do ex-9… não veio outro 9, nem dinheiro e não se fala mais no assunto. O resultado assistimos ontem, o ZAGUEIRO cobrando pênalti.

A política do “bom e barato” parece só funcionar para o Palmeiras, vemos clubes falidos contratarem jogadores de nível e a SEP sempre no “ano seguinte…”.

Quem vive o dia a dia do clube pode até entender e assimilar atitudes e contratações, mas somos muito maiores que isso, somos 15 milhões que não ligam para a dívida, para a obra, para o déficit do tênis, basquete ou qualquer outro esporte amador.

Somos 15 milhões que queremos um time descente, atitudes descentes, e o RESPEITO de volta!

RESPEITO com o torcedor que comparece todo jogo, organizado ou não, sendo o jogo em casa ou não. O TORCEDOR é seu MAIOR PATRIMONIO, não crie mais brigas ou intrigas:

COLOQUE UM TIME Á ALTURA DA SEP EM CAMPO!

A ficha da serie B ainda não caiu, não saiu à tabela, estamos disputando todos os campeonatos, quando só nos restar este time medíocre e a serie B… ah é verdade….”ano seguinte….”.

Nostra Forza!

O futebol dos gerentes

01/03/2013

Esse é um dos textos que eu gostaria de ter escrito em minha vida. Por isso o reproduzo aqui, é exatamente disso que se trata.

 

O Futebol dos Gerentes – por: Leandro Begoci (via: VIP)

O Maracanã morreu. O Mineirão também. O Palestra Itália já não está mais entre nós. Até o imortal Olímpico nos deixou numa tarde ensolarada de domingo. Aliás, para falar a verdade, eu mesmo não estou me sentindo muito bem… Os últimos meses têm levantado um cheiro suave de coroa de flores e, sabe como é, sou altamente influenciado por esse clima de velório. Quando morre uma parte do futebol, uma parte (grande) de mim também se vai.

Alguns desses estádios vão ser inaugurados com os mesmos nomes, é verdade. Outros vão se chamar arena mais o nome do time ou do antigo estádio. Provavelmente vão ser inaugurados por CEOs (o novo nome do velho cartola) que vão fazer de tudo para convencer os stakeholders (acostume-se: esse será o novo nome do velho torcedor) de que, afinal, o espírito do estádio foi apenas transposto para uma nova estrutura.

Mas, da mesma forma que você não ressuscita o seu avô quando coloca o nome dele no seu filho, manter o velho nome em um novo estádio é apenas uma homenagem. Bonita, é verdade. Bonita e inútil.

O que tem acontecido nos estádios, sob o pretexto da Copa do Mundo, é apenas a última parada de um caminho longo. O futebol, no Brasil, não é apenas um esporte. Já seria bastante, aliás, se fosse apenas um esporte imensamente popular. O futebol, nesta parte da América do Sul, é uma manifestação cultural poderosa, tão intensamente ligada à identidade do Brasil quanto a língua portuguesa. É pelo futebol que organizamos nosso tempo, nossas relações familiares e, em muitos casos, julgamos o caráter de outra pessoa.

É diferente dos Estados Unidos, por exemplo, onde os times se chamam franquias e mudam de cidade ou de cores como uma rede de lanchonete. Também é diferente do vôlei jogado no Brasil, onde os times têm nomes de empresas. Nos dois casos, a única ligação passional entre o time e o torcedor é o lugar onde os dois estão. O futebol transcende a localização. Um gremista, ao se mudar para o Recife, não passa a torcer para o Sport.

Isso acontece porque o futebol disseminou por toda a sociedade o estilo de vida dos trabalhadores das fábricas, que se espalhavam por amplas áreas das maiores cidades do país. Ir a um estádio de futebol, alguns anos atrás, era uma experiência semelhante a começar o dia em uma indústria. A comida na porta, as longas filas para entrar, a simplicidade do concreto armado, o desconforto das arquibancadas, o companheirismo de quem compartilha o mesmo destino difícil e suado.

À medida que o país mudou, o futebol também se transformou. Agora, quem vai aos estádios são as pessoas que trabalham em escritórios com ar condicionado, janelas amplas, em áreas próximas a shopping centers e usam palavras em inglês, mesmo com um belo similar em português – espero, aliás, que partida nunca seja chamada de “match” por aqui. Essas pessoas, filhas dos trabalhadores que frequentavam os estádios, agora querem que as arenas sejam mais parecidas com o mundo em que elas vivem. Com a Copa do Mundo, isso foi possível. É o fim do churrasquinho. É o começo do espaço gourmet.

Esse processo não aconteceu apenas no Brasil. A Inglaterra passou por isso na década anterior. A partir da experiência inglesa, é possível concluir que não são apenas os estádios que mudaram, mas a própria forma de amar o time. O torcedor que frequenta essas novas arenas dificilmente vai arrumar confusões violentas ou arremessar objetos no gramado. Esse novo torcedor quer conforto e segurança. Por outro lado, a relação dele com o time é muito mais de consumidor do que de amante. Ele fica decepcionado com o resultado como fica triste quando compra um carro novo que começa a dar defeito. Tem vontade de reclamar para o SAC do departamento de futebol. Ele não está preocupado apenas com quem fez o gol mais bonito ou qual time tem mais craques, mas quem tem o melhor departamento de marketing e quem lidera o ranking de venda de camisas. Talvez, no futuro, esteja disposto a gritar o nome do time mais o nome do patrocinador.

Não é uma questão de julgar, agora, se essas mudanças são boas ou ruins. O fato é que o futebol brasileiro morreu. E outro está começando a nascer em seu lugar. As arenas são apenas a forma em concreto e vidro que materializam essa mudança. Resta saber o quanto de paixão vai restar neste futebol dos naming rights.

Três pontos

Beatles e o Liverpool
Um dos momentos mais emocionantes do futebol inglês aconteceu em 1964, num Liverpool x Arsenal. O estádio, cheio muito além da capacidade, começou a cantar She Loves You, um dos maiores sucessos dos Beatles.

Heysel Stadium
Por outro lado, o Liverpool foi protagonista do desastre no Heysel Stadium, na Bélgica. Em 1985, na final da Champions League, contra a Juventus, 39 pessoas morreram e cerca de 600 ficaram feridas numa briga que traumatizou uma geração de torcedores.

Racismo
Os novos estádios ingleses são mais modernos, limpos e confortáveis. Sempre cheios, especialmente com pessoas das classes média e alta. Supostamente, mais educadas e tolerantes. Mas os casos de racismo na Premier League são comuns, ano após ano. A casa nova não acaba com todos os problemas, afinal.

 

Acorda Palmeirense!

22/02/2013

Quando vejo – leio – os apoiadores da atual administração tentando justificar mais uma comida de bola de nossa diretoria eu entendo o porquê de estarmos no fundo do poço. Muda-se de oposição a situação e cometem-se os mesmos erros no Palmeiras.

Quando vejo – leio – os novos Palestrinos, a meninada, achando que está tudo bem, pregando que devemos dar um voto de confiança, de que no futuro tudo se resolve, é justamente aí que eu me preocupo com o futuro do Palmeiras.

Não vou aqui ficar mostrando a injustiça e mais essa sacanagem (essa é a palavra) que a FPF e a PM estão fazendo com o Palmeiras, isso o Barneschi já fez e com brilhantismo, se quiser ler é só clicar aqui.

Não há, senhoras e senhores, justificativa alguma para que o Palmeiras se apequene (ir jogar em Barueri é aceitar que somos minúsculos da maneira como nos tratam), ou que sua diretoria o torne pequeno, nem mesmo a tão propalada culpa do ex-presidente por não ter ido à reunião que definiu o regulamento da competição. Há diferença, amigos, entre o regulamento (que é – vejam só – quem regula o campeonato) e uma medida administrativa, essa tomada quando algo que não consta do regulamento acontece.

Acreditar que a culpa é do Tirone é dar poderes sobrenaturais a quem fez o regulamento, pois esse teria que prever que a torcida do Santos iria jogar moedas em campo, que o clube praiano perderia seu mando de jogo, e que o Palmeiras é que teria que jogar em Barueri, tudo isso colocado no regulamento, que foi escrito, ora vejam, durante o mandato de Arnaldo Tirone. Portanto, senhores, a César o que é de César.

Estive refletindo sobre esse cheque em branco que querem que a gente dê a atual diretoria e tudo que me vem à mente é o compromisso que tenho com o Palmeiras. Me explico.

Nos últimos anos, e botemos anos nisso, a torcida é quem tem resgatado o Palmeiras de suas piores crises. Não foram diretorias, CEO’s, presidentes… quem carregou o time nas costas fomos nós, repito. Foi assim na série B, foi assim no título da Copa do Brasil quando fomos arrancar o título lá em Porto Alegre, foi assim quando saímos da fila, foi na campanha pelas diretas, foi na procissão de São Marcos…

O que quero dizer é que a nós, a torcida, temos um papel histórico de carregar esse time nas costas, ou vocês se esquecem de onde viemos, das dificuldades que sempre tivemos, de que não somos o time da mídia, das federações e confederações, dos governos e dos governantes? O Palmeiras tem somente a nós, sua torcida.

Sendo assim, me assusta e me dá medo quando a torcida, ou parte dela, assume esse papel de inércia, de justificar a diretoria e não cobrá-la, porque quando as diferentes direções do Palmeiras estiveram na zona de conforto fizeram coisas erradas. Ou cobramos ou eles se acomodam.

De mim vocês podem esperar tudo, menos omissão. Podem me acusar de tudo, até de corneta (para desqualificar minhas posições), mas não será vendo os erros dos dirigentes e não os apontando que estarei contribuindo com o Palmeiras, minha contribuição é na crítica. E a sua?

Acorda Palmeirense!

Idéias e ações fora do lugar

19/02/2013

Escrevi esse artigo para uma revista da PUC, a Ponto e Vírgula, no ano de 2008, ainda durante a fase de estudos que culminou com a minha dissertação de mestrado “O tradicional e o moderno no futebol brasileiro: do moderno e de elite a uma moderna elitização” no ano de 2010.

Vou reproduzir o artigo por conta de uma entrevista do CEO do Palmeiras, J. C. Brunoro, que diz querer “clientes”. Quem preferir pode lê-lo na própria revista clicando aqui, senão pode lê-lo aqui mesmo, abaixo.

De lá para cá muita coisa mudou, mas basicamente é o que penso sobre o tema.

Idéias e ações fora do lugar

Recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de São Paulo realizou um seminário intitulado “Futebol, direito ao lazer e tutela jurídica do meio ambiente cultural”. Estiveram palestrando pessoas ligadas ao ‘jogo da bola’, de advogados esportivos e até professores universitários que estudam o tema.

No último dia 23 de outubro o jornal “O Estado de São Paulo” publicou reportagem dando conta – com o seguinte título: “Crise gera pânico no futebol da Inglaterra” – de que o futebol entrou no olho do furacão da crise mundial.

Fora o fato de os temas terem ligações por tratarem do futebol e, mais precisamente, de fatores econômicos que envolvem esse esporte, os dois acontecimentos, separados por uma semana, se ligam de maneira contraditória, pois mostram que as idéias e as ações propostas pelos dirigentes e profissionais ligados ao futebol brasileiro estão em flagrante contradição com os últimos acontecimentos (crise econômica), e as saídas propostas para uma pretensa ‘modernização’ do ‘negócio futebol’ no Brasil podem aprofundar o afastamento dos torcedores dos estádios e o remédio, ao invés de curar, poderá matar o “doente”.

Durante a palestra da OAB, Marco Aurélio Klein, professor da FGV e Presidente da Comissão Paz no Esporte para o Combate à Violência nos Estádios da FPF, nos mostra que aqueles que resistem ou que criticam a forma que vem sendo discutida as mudanças em curso (modernização é o termo utilizado pelos que a defendem) no modo de gestão dos clubes brasileiros, seja no campo da organização do evento, na forma de se administrar os clubes, mas – principalmente – na forma dos clubes se relacionarem com os torcedores, ‘pregam no deserto’.

Segundo o palestrante, não há mais lugar para um futebol que não seja aquele voltado para os consumidores; hoje, não deve se oferecer mais apenas um jogo, mas um espetáculo. Deve-se modernizar os estádios, oferecer conforto e atrativos outros que não seja apenas o jogo em si.

Além disso, os clubes devem incrementar suas receitas com ações de marketing que busquem atrair ainda mais estes ‘consumidores’ (novos, inclusive), facilitando o acesso aos bilhetes, incrementando os produtos relacionados à paixão dos torcedores/consumidores etc. Até aqui nada de novo, e dificilmente alguém se dirá contrário a tais ações. O grande problema está em como isso se dará, pois, segundo o palestrante, para isso deve-se cobrar preços compatíveis com o que é oferecido; os nossos não são – em  absoluto – desse quilate, mesmo porque os estádios brasileiros, por exemplo, ainda são de padrão ‘africano’ (ainda segundo palavras do palestrante).

Entretanto, o problema se torna mais complexo com a continuidade do discurso, a partir do diagnóstico e das soluções propostas para essa, digamos, modernização do espetáculo, do ‘jogo da bola’. Senão, vejamos: se por um lado há uma crescente pressão para que a organização do espetáculo, o local dos espetáculos e o espetáculo em si tenham uma qualidade que atraia consumidores, não apenas torcedores, não há como não se cobrar preços compatíveis a isso. Segundo o diretor da FPF há uma marcha inexorável rumo à mudança do perfil daqueles que ‘consomem’ o espetáculo futebol. Chama atenção os termos que ora passam a ser utilizados para se falar do mundo do futebol e seus aficionados: consumidores, espetáculo, por exemplo. Eles, invariavelmente, utilizados em substituição a futebol, torcedores…

Na mesma linha Juan Rafael Brito, do departamento de marketing da Sociedade Esportiva Palmeiras, que se disse “torcedor” do clube pelo qual atua profissionalmente (vejam a ironia do destino) disse que – apesar de acreditar que há espaço para abrigar os torcedores menos abastados no espetáculo que deve ser oferecido – também vê os preços por aqui praticados como baixos. Ou seja, com outras palavras, de uma maneira mais branda, mas propondo as mesmas medidas, disse ser necessário que os clubes se organizem para ‘faturar’ mais com os consumidores do espetáculo (aí está a ironia novamente).

Se vislumbra aqui uma contradição entre espetáculo, consumidores, torcedores, preços. O professor Marcos Alvito, em artigo para a Revista Piauí, “O esporte que vendeu a sua alma” (ALVITO, 2007), nos mostra como essa aritmética espetáculo/preços transformou o futebol europeu em uma soma de resultado zero, onde os torcedores perderam, mas – principalmente – onde o futebol deixou de ser paixão para ser simplesmente business.

O importante aqui é perceber que está em curso um processo que está tomando contornos de um consenso entre aqueles que atuam nos bastidores do mundo do futebol, consenso esse que diz que há a necessidade de se criar uma nova relação entre os clubes e seus aficionados, que não será mais a tradicional relação clube/torcedores, mas uma relação empresa/consumidores.

Essas são idéias que vem hegemonizando o futebol atual, fruto de uma cópia mecânica – e sem relativizações, necessárias em meu entendimento – daquilo que ocorreu e ocorre – com o futebol nos países europeus, como por exemplo a Inglaterra. Fruto ainda de uma visão – subjacente – de que o torcedor é o ruído, aquele que deixa o ambiente poluído, feio, impróprio para a freqüência e para o consumo dos ‘diferenciados’: os consumidores.

A relativização deve ser levada em conta por vários motivos. Um deles, é que por aqui os níveis de salário são muito menores que os de lá. Se lá, onde os níveis salariais são muito maiores, houve um processo de elitização e aqueles que sempre foram os freqüentadores das arquibancadas foram afastados dos estádios, e hoje são empurrados para as transmissões dos canais de TV´s pagas (que praticam preços muito inferiores aos praticados no Brasil), o que acontecerá por aqui?

Talvez sejamos impelidos (os torcedores) a outras formas de lazer; aquelas que ainda não são consideradas rentáveis, aquelas destinadas aos ‘menos aptos a viver e conviver socialmente’ e, nesse  momento, aquelas que não requerem vultosas quantias para serem consumidas. A prática talvez ainda seja permitida, pois é dentre as classes menos abastadas que está a mão-de-obra – ou pés-de-obra, no caso do futebol – que impulsiona o lucro; é ainda da prática cotidiana que se abastece o ‘mercado’ mundial do futebol com os ‘artistas’ da bola.

Outro fator que deve ser levando em consideração é a diferença entre um torcedor de futebol e um consumidor de espetáculos. Queira-se ou não, há uma profunda diferença entre uma partida de futebol, com a participação ativa dos aficionados durante o jogo em si, com seus rituais, cânticos etc. e um espetáculo de teatro, por exemplo, onde o espectador, como o próprio significado da palavra mostra, apenas observa ou vê qualquer ato.

Tratar o torcedor apenas como um consumidor é um profundo equívoco. Ele é mais que isso, ele é parte do espetáculo. Aliás, o torcedor é aquele que lá está independente da qualidade do que lhe é oferecido, das condições do palco, das intempéries.

No caso do torcedor, o único fator impeditivo à sua presença é o financeiro. Já o consumidor, se há a necessidade de lhe oferecer determinadas condições para que ele consuma um determinado produto, deve-se concluir que não lhe sendo oferecido o produto com a qualidade desejada ele deixará de consumi-lo, ou seja, é um ‘público’ volúvel, que poderá trocar – e o fará – um jogo de futebol por uma peça de teatro, uma sessão de cinema ou um show de ‘tecno brega’.

Pois bem, é neste ponto que chama atenção a matéria do jornal O Estado de São Paulo. Nela se dá conta que com a crise mundial os clubes de futebol da Europa – por serem aqueles que mais pagam salários, aqueles que mais recebem cotas de televisão, pois têm os maiores craques para um espetáculo de qualidade, por terem ações na bolsa de valores, por terem financiadores (mega milionários) que, ou perderam dinheiro com a crise ou viram suas fortunas se esvaírem da noite para o dia – terão que reduzir o ritmo de suas contratações, de seus investimentos, vender os artistas (coisa que já fazemos há pelo menos três décadas) para fazer caixa etc. Ou seja, a qualidade do espetáculo tende a cair abruptamente.

Assim cabe uma singela pergunta: e agora o que acontecerá? Será que os exigentes consumidores não buscarão outro espetáculo? Será que não buscarão salas climatizadas, com poltronas confortáveis e com artistas outros que não sejam somente ‘celebridades da bola‘? O parágrafo final da matéria do Estadão não deixa dúvidas de que a resposta é sim: “…Se o atual modelo de gestão não for modificado (…) a conta final pode acabar no colo – e nos bolsos – dos torcedores, que receberão apelos dos cartolas para salvar seus amados clubes.” [o grifo é meu]

Isso mesmo, os clubes recorrerão aos torcedores. Mas que torcedores? Elementar: aqueles mesmos que há pouco foram afastados dos estádios pelo processo de elitização (esse que está em curso por aqui também); processo este, que eufemisticamente é tratado, no jargão dos administradores esportivo, como profissionalismo, mercado, consumo, espetáculo etc.

Esperemos que os administradores daqui aprendam – ainda há tempo – com os equívocos e absolutizações dos de lá, pois como escreveu Schwarz – para outro contexto, é claro – “as idéias…” estão “…fora do lugar” (SCHWARZ, 2000); mas, mais que as idéias o que está fora do lugar e do contexto são as ações propostas, pois estas mais parecem baseadas no puro deslumbramento com o que é importado, em um discurso – que busca um consenso – que vem sendo construído a partir de empresas de comunicação multinacionais (a ESPN é um exemplo disso), do que no entendimento do que seja nossa realidade objetiva.

Enfim, tentar construir o ‘novo’ em nosso país – em qualquer área –, a partir de uma falsa dicotomia (entre o que é moderno e o que é arcaico), é não ter apreendido nada sobre nossa história; mas esse é um tema que merece um estudo muito mais aprofundado.

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Em tempo: Em um pequeno texto (Crise nos EUA afasta o público do esporte), no Blog Jogo de Negócios, do site Terra Magazine, o publicitário Fábio Kadow, nos alerta que a crise também atingiu o mercado esportivo norte-americano, que reinventa promoções (em tempos de crise) para segurar a assistência de seus aficionados; além disso, em outro texto (Vendem-se anúncios no Super Bowl), no mesmo espaço, o autor nos mostra que os patrocinadores já estão revendo suas estratégias de patrocínio e diminuindo a expectativa de investimentos. A crise, definitivamente, atingiu o mundo dos negócios esportivos, veremos como agirão os ‘modernizadores’ brasileiros.

            Bibliografia

ALVITO, Marcos. (2007) “O esporte que vendeu sua alma”. In: Revista Piauí, 15. dez.

CHADE, Jamil. “Crise gera pânico no futebol da Inglaterra”. http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/ 20081023/not_imp264854,0.php. (Consultado em 26/11/2008).

KADOW, Fábio. “Crise nos EUA afasta o público do esporte”. http://jogodenegocios.blog.terra.com.br/2008/12/01/crise-nos-eua-afasta-o-publico-do-esporte/ (consultado em 01/12/2008).

_____________ “Vendem-se anúncios no Super Bowl”. http://jogodenegocios.blog.terra.com.br/2008/12/02/17/ (consultado em 02/12/1008).

SCHWARZ, Roberto. “As idéias fora do lugar”. In: Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades. Ed. 34. 2000.